rabiscando

meus versos não são tão apreciáveis.
não possuem os sabores dos gênios, nem
não são tateados com os dedos divinos.
são rotineiros, mas sem a magia verbal
ora extensos, como uma volta à terra,
ora curtos, como o percurso dos segundos.
às vezes, vejo-me em meus escritos
em outras ocasiões repudio-os.
inevitavelmente criei um vínculo
com meus poemas.
uma intimidade transcendente ao normal
uma relação própria de
guerra e paz
pranto e gargalhadas.

ensaio sobre a saudade

Lutar contra o tempo era a única saída. Tentar se culpar era o que mais fazia. Tratava-se como se o tempo fosse escutar suas inquietações. Mau humor, estranheza frequente. Mas aos poucos toda sensatez ia retomando seu posto, como um soldado em ensaio militar. Hospedava na memória retalhos e vestígios de encontros fragmentados por doses de interferência e lapsos de confiança. O hospede o atentava - não atentado de terror e sim atentado de doçura e descanso -. O atentado doce como mel era também parasita e viajante. Saia e se alojava no esquecimento. De lá com frequência partia rumo à lembrança, porém, permanecia pouco tempo. Tentava transformar o mutável em constante. Seus sentimentos borbulhavam como água em chamas. Seus olhos pediam a face daquela que o aproximou das virtudes da paixão e o distanciou dos legados de ser só. Sua boca ainda esperava um toque de leveza e pureza dessa que era como uma extensão de si mesmo. O desejo era tão ávido e forte, tão claro que se assemelhava a rajadas de luz soltas de um farol velho e descontrolado. Era forte, embora seus anseios o impactassem como um tanque de guerra em intenso guerrear. Feliz era sim, porém, a probabilidade de ter um melhor momento o trazia a tristeza. Tristeza de um espaço não preenchido ou uma vaga mal posta. Uma dose de calor ou uma pitada de presença seria a gratificação das lapadas súbitas do tempo. Eram açoites de saudade. Eram desgastes da vontade. Quase impenetrável, a barreira do tempo, do espaço, da saudade e da vontade que impedia o jorrar da paixão. Mas, felizmente, prevalecia o simples amor, que não é vulnerável, nem estagnado. Concluiu novamente que a esperança invariável, a fé inabalável e o amor inexplicável eram indestrutíveis e dentre todos esses o amor é soberano.

resoluções inconcretas

resolvi pensar nas coisas distintamente
colhendo o mal de cada dia,
gozando o bem de cada benção.
dividir os pensamentos por momentos
não apresar, não surtar
ser ameno brando suave.

viver o presente e - se possível-
estar presente.
resolvi segurar a bandeira
levar a canseira
e seguir te amando.
mesmo que a opacidade
mantenha minha visão fraca
sei que no final
entoarei mais alto que
o grito da solidão

que prensar em ti
transcenda a distinção.

alma musical

já nascemos com música
entalhada visceralmente
bem no cerne, bem na alma.
soa no ar alguma melodia
os pés palpitam,
as mãos balançam,
as orelhas arrebitam.
ouça o compasso já decorado
acompanhe o ritmo decifrado
um dois, dois um,
dois um, um dois
tantas ondas, tantos tons
só resta emitir do peito
comparar a balada e inalar
o íntimo da canção.