soslaio comunista

isto é um utópico manifesto
proposto internamente dentro de mim
em um mundo onde o lucro
vale mais que pão.
pão vale mais que sangue.

cortaram a artéria liberdade
e injetaram torrentes, frequentes
de ficção comercial.
cultura de proles, de massas,
enjaulado pelo desejo.
a concupisciência do lucro,
lúxuria com capital.

trabalho migalhado em doze.
obrigação oculta de quadruplicar,
enchendo as taças de cristal.
vós, proletariados, descartem
copos de plásticos, finos
como folha seca de roseira,
para saciar a sede,
entre processos de exaustão.

desgraça, cegueira imbecil.
decadentes comunidades.

Já temos nojo do comum.
o individual é exaltado.
Amor de um só
egoísmo, narcisismo.
nepotismo mundano.
mergulho eterno
em um querer único

missão

foi caminhando,
com os pés calçados.
por pouco tempo.
a sola de seu sapato logo desfaleceria
e seu corpo pediria arrego.
não se importava com seu corpo
mas com nossas almas.

Ouviu seis bilhões de vozes
e cada uma dizia, clamava,
rogava, gritava, reclava.
entre atender a cada um
escolheu atender a todos.

sentiam o calor da areia,
em seus pés machucados e descalços,
em seus joelhos doloridos e no chão.

dia, tarde, noite.
oração e tentação.
nossas vozes, nossas sussuros,
nossos gritos.

o frio acompanhava-o.
maltrapilho, malvestido.
bilhões de pedras
prontas para lhe apedrejar.
minha mão estava estendida.
injustiça.
ele foi a meu encontro,
e mesmo com o perigo
baixou meus braços
e estendeu os seus
em forma de uma cruz.

pedras se transformaram.
pregos, lanças, vinagre.
e cada um de nós gritou e
soltou Barabás.
pediu perdão por nós. por nós.
virou sua face e morreu.

eu o matei.
morreu por mim.

sua liberdade me mostrou
me dando-a livremente.
sem paga, sem custo.
hoje levanto minhas mãos
e quando canso me sustenta.
juntos, eu e Ele, louvamos
Suas maravilhas.

sou o pé de Cristo,
devo andar.
você é a mão de Cristo,
deve-se estender.
nós somos o corpo de Cristo
devemos nos mover.

devemos ser a face de Cristo
e resplandecer.

cappuccino

o calor chegou
espalhou-se.
gradativamente foi
colorindo cenários tão belos.
como se fosse um cortina a se abrir,
ou melhor, a se desfazer e,
subitamente, sumir.

ficou, rodeado, como
um painel cinematográfico
com frases absolutas.
aos poucos o calor cessava
e o marron-saudade
voltava se mantendo.

trouxe lembranças agradáveis.
memórias tão gostosas.
o peito sentiu uma vontade.
os olhos sentiram também.
as mãos logo esfriaram,
queriam ser aquecidas
pelo calor de querer bem.

ironicamente irmãos

Jovens dançavam no ônibus em movimento.
Logo a frente via-se uma ponte.
Ponte sobre trilhos do trem.
De onde vinha aquela máquina?
E para onde iria o veículo
cheio de sonhos e sonos?
O ônibus seguia o planejamento,
soltava uma linha invisível
de combustão finada.
Dentro dele vários pensamentos sem vínculo.
Juventude transviada e viciada.
Na margem daquela ponte
de concreto forte, como o orgulho,
um jovem admirava o brilho
metálico dos trilhos. Em sua mente
uma antiga convicção de morte.
Queria terminar com seus sonhos
e não tinha esperança pós morte.
Queria ser análogo aos cães.
Sofreu e deu amor,
mas não quiseram o amar,
preferiram o ver se entregar
a miséria sentimental.
Onde estão os valores? Pensava.
E de tanto pensar chegou
convicto à idéia de finados.
Estava lá imóvel a espera da hora certa.
Seu coração não queria mais sentir,
apenas pulsar em seu ritmo acelerado.
Olhou em volta sentiu na pele
o vento veloz trazido pelo ônibus
cortando-o como uma navalha de gelo,
mas, sem o coração pra sentir
não sofria o impacto, apenas imaginava.
Os risos escandalosos dos jovens
dentro do ônibus, o impulsionaram ao precipício.
Restou frases na cabeça partida sobre os trilhos,
palavras escorriam como sangue.
Dizia assim a desgraça expostas:
Como não se compadeceram de mim?
Eu aqui sofrendo, posto ao fim
Já eles apenas preocupados com o tempo,
a velocidade e a quantidade de álcool
que ainda dispunham.
Mesmo assim pai, eu os considero irmãos.

raros encontros de sol e ar

Quando sua face esquerda
deitou no meu ombro direito,
meu coração, de ambos os lados, lhe dei.

Quando sua mão esquerda
entrelaçou com minha mãe direita,
minha paixão, em ebulição, lhe mostrei.

Seu toque meigo
encontra a metade do meu eu,
fundo, dentro de mim.

já não precisamos de muitas palavras,
apenas olhares sinceros e ocasionais
para viajarmos para nosso mundo.

opróbrio do passado fresco - parte 1

Pra mim foi complicado ‘tentar’ me criticar - no sentido mais penoso da palavra - e concluir que tudo que fiz foi não ter força ou coragem pra agir. Não uma ação utópica, radical, mas apenas uma ação coerente com aquilo o que disse, ou no caso do texto, com o que escrevi. Desde já lhe peço desculpas pelo que venho escrevendo, não pelos poemas – poemas são pessoais e, pra mim não tem peso político ou revolucionário, unicamente são coisas que desejo escrever, algo visceral -, e sim por todos os textos com peso esperançoso em mudanças pessoais ou universais. Fui covarde, em todos os sentidos, comigo mesmo e conseqüentemente com quem leu. E quero agora tentar reaver o tempo perdido ou talvez acrescentar alguns minutos nesse tempo.
As palavras aceitam tudo. De vômitos verbais a ignomínias literais. Não que haja problema em escrever ou expor algo. A meu ver, constitui um problema quando insultamos o sentido real das coisas e criamos textos de protesto totalmente ficcionais, nada tendo de verdade e sim tudo tendo daquilo que pensamos ser o melhor, o correto. Afinal de contas para cada gênero literário há um padrão invisível estipulado para caracterizá-lo. O problema é que esses padrões de orientação se perdem em meio a tantas confusões. Exemplo: a Ficção vem demonstrar algo meramente irreal em seu tempo, buscando uma viagem para um lugar criado, desenvolvido e propositalmente escrito, já o conto relata algo do cotidiano trazendo detalhes que prende o leitor para acompanhar o desfecho e reagir de alguma maneira. E os textos de protesto, de indignação, de insatisfação, tão presentes na blogosfera, pra que servem? Essa é uma pergunta que deveria estar nos pensamentos daqueles que fazem como eu. E a resposta é simples, basta entender o verbo que classifica esse gênero: protesto.
Pra que eu escrevo e exponho protestos? Eu posso te listar várias desculpas que eu iria dar tentando dizer que é uma razão, mas já adianto, não é. A primeira que é necessário desenvolver meu método de escrita, preciso disso, gosto disso. Bom, mas para fazer isso não é necessário encobrir o texto com valores morais às vezes desconhecidos ou mesmo, tentar mostrar que o mundo é sem ética e somos do mundo. Certo, disso podemos tirar uma conclusão lógica, eu também sou sem ética. E pra que serviu meu treino? Pra admitir, inconscientemente, que tudo que fiz não passou de tempo perdido, de um abraço no vento.
Talvez esteja pensando: “Que idiota falar disso”, ai te digo com prazer: “Hora alguma de forcei a ler”. A partir dessa frase continue quem tiver vontade, quem não quiser que vá ler outras coisas, o importante é ler, pois talvez você chegue a pensar no que eu penso: que as letras expostas possuem força, poder, mágica e graça, e não foram criadas para serem despejadas como forma de alimentar nosso ego. Não que isso seja uma verdade incondicional, é apenas o que penso. Pra quem continua meus sinceros pêsames, afinal não vai ser fácil entender meu monólogo.
Outra desculpa é que talvez se tivesse poder faria desse mundo um lugar melhor. Meros sonhos. Já me entristeço por tocar sua caixa de ultra-realidade. “Sem sonhos a vida é sem graça”. Bravo e que bom que chegamos até aqui. Sonhar, isso é bom não acha? Ou melhor, é uma das virtudes humanas. Porém os sonhos devem ser mensuráveis ou tentados, abusados, incitados, senão se tornam parte de um passado esquecido, afinal a memória é volátil.
Protestar, apenas, em texto é como gritar em silencio. Agir sem base, rumo ou crença é como atirar vendado. Há uma intensa ligação entre a ação protestante e a teoria de protesto. Corrigindo, deveria ter. O que vemos são intensas maiorias vendo um mundo de uma ótica fosca e tentando descrevê-lo com o máximo de sensacionalismo buscando impressionar e encher os olhos do leitor. Talvez eu faça isso e quero não fazer. Há uma legião de leigos acompanhando as pessoas e suas relações para compor antologias sociais em seus impecáveis blogs. Talvez você seja um conhecedor dessas relações e tente explicá-las, nesse caso desconsidere o que falo. Falo mesmo é pra mim que sou ignorante, de um modo geral. Termos como, dar murro em ponta de faca, fazer castelo de arreia na maré alta, seja uma boa ilustração para tudo isso. Pura futilidade. Talvez suas palavras me toquem e não tocam você. Perca de tempo mais uma vez. Isso que hoje tanto te indigna foi o estopim para muitas revoluções, não apenas teóricas, mas, sobretudo práticas.
Não discordo de pensar que é mais fácil criticar meu colega do que pensar que eu sou meramente mais um desses. Não que eles sejam diabólicos. Mas se isso tanto me atinge, a ponto de protestar ao mundo, por que não faço algo? Por que não me mexo? Seria para ter o que criticar amanhã? Ou pra fazer de mim um semideus e deles, meus criticados, meros seres humanos? Você tem pré-conceitos quando escreve e quando vive se cala. Palavra sem voz é palavra perdida. E essa voz da frase anterior não é apenas sonora e sim algo que impulsiona o cumprimento do comprometimento solene, do protesto feito. Descontente comigo mesmo. Talvez um dia – por mais lúdico que pareça – alguns prefiram andar pelas ruas de cabeça erguida e braço estendido, do que caminhar cabisbaixo em busca de mazelas humanas. Não preciso analisar a sociedade para me revoltar, basta apenas me observar. E se o mundo é assim a culpa é minha.

rabiscando

meus versos não são tão apreciáveis.
não possuem os sabores dos gênios, nem
não são tateados com os dedos divinos.
são rotineiros, mas sem a magia verbal
ora extensos, como uma volta à terra,
ora curtos, como o percurso dos segundos.
às vezes, vejo-me em meus escritos
em outras ocasiões repudio-os.
inevitavelmente criei um vínculo
com meus poemas.
uma intimidade transcendente ao normal
uma relação própria de
guerra e paz
pranto e gargalhadas.

ensaio sobre a saudade

Lutar contra o tempo era a única saída. Tentar se culpar era o que mais fazia. Tratava-se como se o tempo fosse escutar suas inquietações. Mau humor, estranheza frequente. Mas aos poucos toda sensatez ia retomando seu posto, como um soldado em ensaio militar. Hospedava na memória retalhos e vestígios de encontros fragmentados por doses de interferência e lapsos de confiança. O hospede o atentava - não atentado de terror e sim atentado de doçura e descanso -. O atentado doce como mel era também parasita e viajante. Saia e se alojava no esquecimento. De lá com frequência partia rumo à lembrança, porém, permanecia pouco tempo. Tentava transformar o mutável em constante. Seus sentimentos borbulhavam como água em chamas. Seus olhos pediam a face daquela que o aproximou das virtudes da paixão e o distanciou dos legados de ser só. Sua boca ainda esperava um toque de leveza e pureza dessa que era como uma extensão de si mesmo. O desejo era tão ávido e forte, tão claro que se assemelhava a rajadas de luz soltas de um farol velho e descontrolado. Era forte, embora seus anseios o impactassem como um tanque de guerra em intenso guerrear. Feliz era sim, porém, a probabilidade de ter um melhor momento o trazia a tristeza. Tristeza de um espaço não preenchido ou uma vaga mal posta. Uma dose de calor ou uma pitada de presença seria a gratificação das lapadas súbitas do tempo. Eram açoites de saudade. Eram desgastes da vontade. Quase impenetrável, a barreira do tempo, do espaço, da saudade e da vontade que impedia o jorrar da paixão. Mas, felizmente, prevalecia o simples amor, que não é vulnerável, nem estagnado. Concluiu novamente que a esperança invariável, a fé inabalável e o amor inexplicável eram indestrutíveis e dentre todos esses o amor é soberano.

resoluções inconcretas

resolvi pensar nas coisas distintamente
colhendo o mal de cada dia,
gozando o bem de cada benção.
dividir os pensamentos por momentos
não apresar, não surtar
ser ameno brando suave.

viver o presente e - se possível-
estar presente.
resolvi segurar a bandeira
levar a canseira
e seguir te amando.
mesmo que a opacidade
mantenha minha visão fraca
sei que no final
entoarei mais alto que
o grito da solidão

que prensar em ti
transcenda a distinção.

alma musical

já nascemos com música
entalhada visceralmente
bem no cerne, bem na alma.
soa no ar alguma melodia
os pés palpitam,
as mãos balançam,
as orelhas arrebitam.
ouça o compasso já decorado
acompanhe o ritmo decifrado
um dois, dois um,
dois um, um dois
tantas ondas, tantos tons
só resta emitir do peito
comparar a balada e inalar
o íntimo da canção.

percurso afável

quando lhe vier versos em mente
não tarde ou atrase em escrevê-los
eles fogem como águas nas mãos
são rebeldes e libertários ...
eu sempre luto com os meus
tento discipliná-los e ensinar
minhas políticas e tratados.
mas eles veem minhas mazelas
e estampam em minha face:
como um líder sem escrúpulos
pode governar as palavras?
então desisto e volto descontente
mas logos vêm eles arrependidos
e me mostrar um mundo lúdico e encantador
me apaixono novamente e eles saem felizes
e estampam em minha mente.
mas minhas facetas são tantas ..
e logo me pego a sofrer
e eles se perguntam por que?
também não sei.
e eles desistem das respostas
e tentam apenas me agradar
me levam em um patamar além daqui
me transportam para novos mundos
onde a saudade é inspiração
onde a solidão não existe
onde o sofrimento não atina
no complexo e indescritível
reino das palavras

o homem e o duto

O que vejo são dutos. Dutos tapados.
Impregnados de cimento da ilusão e
Revertidos de uma falsa decoração inconsequente.

De um lado um homem mórbido e de pé,
semelhante as suas esperanças.
Homem de senso, mas visto como sem sentido.

Vejam seu olhar fito na entrada.
No que será que pensa?
Há ainda chances de não converter
seu momento diante do duto em banalidades,
como fez com tantos planos que fizera.

Resta tempo, falta coragem,
sobre-lhe muitos pensamentos.

Do outro lado o que se tem
é um vago, um nada, uma escuridão.
Imaginações e sonhos só ousam
habitar ali quando são orientados
pela lógica ou pela realidade.

E a cima da visão do homem e do duto
há uma fé sem condições tão clamada
a qual permanece estática, apenas
traduzindo choro e tristeza
em contentamento e ânsia
por verões mais contentes.

apatia incômoda

e quando a apatia vier
se esconda nas lembranças
vislumbre com os olhos da fé.
afinal o futuro próximo é incerto
mas a esperança é doce.